sábado, setembro 18, 2010

Padres Assassinos


Crato, a cidade brasileira, assim como a portuguesa, é uma cidade conservadora. A religiosidade prevalente é aquela vinculada à igreja de Roma, não cabem rebeldias como em Juazeiro. As famílias na minha infância eram muito religiosas. Religião Católica Apostólica Romana. A maioria de seus padres eram militantes do conservadorismo, por eles e pelas organizações de mulheres e homens religiosos, uma grande militância política anti-comunista, anti-reformas de base no governo Goulart. Os livros publicados pela CIA americana na época da guerra fria, acusando a ferocidade do regime comunista eram distribuídos por uma rede em que a igreja, ou parte dela pelos padres, era quem orientava. Quando do golpe militar de 64 derrubou o governo Goulart, o papel de padres locais foi fundamental para a realização da versão cratense da MARCHA DA FAMÍLIA COM DEUS PELA LIBERDADE. O presidente Castelo Branco visita sua terra, o Ceará, entrando pelo Cariri. Os alunos do Colégio Diocesano formaram a primeira fileira de homenagens na frente da Igreja da Sé. Num palanque armado estava o presidente e pela primeira e única vez vimos o histórico tenente Juarez Távora ao lado de outros militares, entre os quais o cratense General Adauto Esmeraldo.


Para uma criança nascida num ambiente como esse, a religião era o centro que divinizava a família, explicava a vida e todos os membros de seu clero já eram santos em vida. Com a simplicidade de que tudo na vida se resumia a simples obediência a dez regras, a vida era facilmente entendida e a relação entre as pessoas poderia, desde que no espírito da igreja católica, ser muito simples e santa. Mas aí o demasiado humano cai sobre nossas cabeças cratenses. A revista mais lida, a que fazia o papel do Jornal Nacional da época, a Revista O Cruzeiro repercute crime hediondo. Mais ainda, era um crime de natureza religiosa ao mesmo tempo que vulgar.


O Padre Hosana de Siqueira Castro, pároco de Quipapá em Pernambuco, no dia primeiro de julho de 1957 (há cinquenta anos) chega ao palácio episcopal de Garanhuns. Bate a porta e quem a abre é o Bispo Dom Francisco Expedito Lopes. O padre entra no salão e inicia uma discussão, terminando-a com o disparo de três tiros a queima-roupa sobre o bispo. Na madrugada daquele dia mesmo o bispo morre, o padre foge mas depois se entrega no Mosteiro de São Bento. A revista O Cruzeiro, como a Globo de hoje, fez a festa jornalística: transformou o padre num demônio vestido de santo e o bispo em santo antes das rotinas romanas. As mesmas regras de psicologia de massa já estavam em uso: a foto do bispo ferido sendo carregado por pessoas, o padre em ângulos que denunciavam sua maldade. O pior de tudo, era um crime passional, o padre mantinha uma prima na casa paroquial que engravidara e por isso tivera suas ordens suspensas.


O mundo desabou, aquilo era inédito. Segundo a história era o terceiro assassinato de um bispo por um padre de toda a vida da Igreja Católica. Antes, exatos cem anos (1857) um padre matara um bispo na França e dez anos depois (1867) o mesmo tipo de assassinato em Madri. O certo é que o fatores da ordem nas nossas cabeças embaralharam. Os padres não eram tão santo em vida, havia exceção. Os padres e os bispos eram humanos. Olhem que nesta altura nem imaginava a interessante história do padre Senador Alencar, filho de Bárbara de Alencar e pai de José de Alencar. Aliás a mesma relação, uma prima do padre Alencar engravidara e tivera o gênio da raça cearense e por eles nós vivemos e não morremos. Mas aquele desfecho do padre Hosana promove muita mudança.


Igual hoje nos jornais a condenação na Argentina do Capelão da Polícia da Capital, Christian Von Wernich. Prisão perpétua. Crime: co-autor de sete homicídios, partícipe em 31 torturas e 42 seqüestros dentro do marco de genocídio que ocorreu na Argentina entre 1976 e 1983. Após a senteça Tati Almeyda, líder das Mães da Praça Maio disse: Fez-se Justiça. É um dia histórico que jamais as Mães da Praça de Maio pensaram viver. O exemplo de 20 anos atrás também se repetiu em Ruanda, onde o sacerdote ruandês Athanase Seromba ordenou que militares da etnia Hutu destruíssem a paróquia que dirigia e massacrassem duas mil pessoas da etnia Tutsi que lá se refugiara. O padre se fugiu para o Congo, depois Quênia e por último na Itália exercendo o sacerdócio em Florença. Foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda por crimes de extermínio.


Quanto ao padre Hosana? O seu julgamento foi demorado e polêmico. Em sua defesa acusa um outro padre e um sacristão de haver tramado para ele ser expulso de Quipapá pois queriam o seu lugar. A versão do padre Hosana era de que tudo se dava no campo da disputa política da própria igreja. Ele nunca encontrou provas que sustentassem sua versão. Foi condenado a 19 anos de prisão, ganhando liberdade condicional em 1968. Foi para sua fazenda na cidade de Correntes e aos 84 anos foi assassinado a pauladas. Os criminosos nunca foram identificados.


Quanto aos expostos à matéria de O Cruzeiro em 1957? É preciso conhecer a vida social, seus conflitos e desfechos. Tudo que frutifica na vida humana, mesmo que transcendental, tem como referência a vida e suas necessidades materiais, psicológicas, sociais e espirituais. Por tais necessidades os sentimentos se manifestam e se transformam em ação.

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